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sexta-feira, novembro 28, 2003

Perdido na noite



Dizia-me um amigo entre outros: se um dia tiver um bar entao que seja pequeno pois assim está sempre cheio. e as pessoas sempre procuram outras.
estavamos nesse momento num bar escondido numa calle perdida.o bar era pequeno e como magia nos pareceu muito nosso.estava tranquilo e as pessoas completavam perfeitamente as suas cores quentes.
A calle era feita de pouco espaço, em que os candeeiros pendurados nos edificios que lhe permitiam existir iluminavam quase sobre as nossas cabeças. Aquela era uma rua que se encontra. uma rua que existe quando desistimos de caminhar pelas rua maiores, com mais gente, mais animaçao. surge quando procuramos a tranquilidade da noite.
A distinçao de entrada ou saida desta calle nao é qualquer. pelo menos para mim. como quando amamos: criamos uma escada de sensaçoes e de entrega às emoçoes crescente que nos leva inicialmente a um fascinio talvez receoso mas que se vai transformando numa ausencia de necessidade de razao. Se descobrirmos a entrada certa também esta calle nos prepara para amar a sua forma.para subir as escadas da sua existencia. inicialmente dá-nos a luz da sua fonte.e um vazio tranquilo que sentimos nosso. depois entrega-nos a sua fragilidade, a sua irregularidade. e depois vai-nos surpreendendo com segredos escondidos em grutas de homens cavadas lateralmente a ela. bar para degustaçao de vinhos.restaurante cor de rua.algo mais.o bar(teteria) onde entramos e que sobre mesas de madeira sábias escondia a cumplicidade de um pensamento e de um olhar que nunca existe apenas em uma pessoa.
A passagem secreta para este tesouro está ao lado da Catedral.lá onde enraiza uma arvore existe uma passagem estreita que intimida o vulgar curioso. depois descobre-se a fonte.e mais luz.nao demasiada pois sao poucos os que ouvem o espaço que rodea a água que borbulha.
Depois os nossos passos encontram o ritmo do equilibrio da partilha e entregam-se a outros passos. tudo se transforma num universo de raios inquebraveis que penetra o nosso olhar caminhando sem esquecer que cada passo dado continua a existir.


segunda-feira, novembro 24, 2003

Fotos


Algumas fotos novas (poucas e de qualidade duvidosa) foram adicionadas ao link "As minhas fotos" (à direita). De salientar os castellers (torres humanas): muito marado!


segunda-feira, novembro 17, 2003

Um Domingo em Barcelona

Em Barcelona os Domingos sao para toda a gente curtir pela rua serpenteando da direita para a esquerda confirmando o que já sabem: as lojas estao cerradas.os mercados e os supermercados também.mesmo alguns cafés.
Mas a verdade é que isso nao é um verdadeiro problema (excepto se nos lembramos que ao domingo também jantamos mas a dispensa e o frigorifico nao pensaram disso).
Um Ponto de passagem é o parc de la ciutadella. A malta jovem (jovem nao pretende definir a idade mas o espirito) bamboleia o olhar pelo ritmo infinito de uns batuques que embala o tempo.e partilha a cumplicidade de um sentar descontraido pelo chao.
O ritmo acompanha ainda os muitos que se divertem fazendo algumas “malabarices”.é um ritual.um exercicio espiritual que relaxa quem vê e que interioriza quem faz. Os seus movimentos envolvem a continuidade do ritmo e lembram que o ritmo é um ponto de partida para a criaçao de novos ritmos, novos movimentos. Nada é rigido.e cada um pode eligir o seu sentimento.cada um pode criar o seu proprio movimento: porque um ritmo pode dividir-se em muitos outros. a um ritmo podem juntar-se muitos mais. e depois surge o silencio.instante de silencio. porque o silencio também é musica.pois estar parado também pode significar dançar. Mas o silencio é dificil de sentir.a pausa.a abstracçao.acreditar que é possivel agarrar uma coisa apenas controlando a vontade da propria coisa para se agarrar a nós. construir uma piramide de cima para baixo. saber que um som se divide também em silencio. e quando o silencio envolve o ritmo o inesperado controla o corpo e a imaginaçao liberta-se da realidade.

Um grupo grande de batuques e malta animada chamava a atençao. Um ajuntamento de pessoas rodeava quem tocava. Ali quem quer tocar, simplesmente toca.Basta ter um fazedor de som. e ritmo.e ter vontade de nao parar.
Um espaço algo amplo abria-se na frente dos risonhos batuqueiros.e a razao desse espaço surgiu risada para mim. A verdadeira “star” organizava o espaço e pedia aplausos.e até apresentava a malta. Um negro de cabelo com rastas, idade para nao ter juizo e um pouco desajeitado. Dançava (muito mal). Parecia querer fazer capoeira (tentava incessantemente). Olhava com cara de mau para os batuqueiros quando estes nao obdeciam ao seu ritmo. E agradecia os aplausos sem ninguém saber porque aplaudia. Na verdade o que interessava era a sua entrega àquele que era o seu espectaculo.Tudo pode ser nosso se o sentirmos como tal. Parecia impossivel destroná-lo.
E foi entao que surgiu o maior “marado” que vi até hoje. Em poucos segundos o mestre das rastas percebeu que a força que se transmite quando verdadeiramente sentimos algo também conhece a lei da natureza: o mais forte sobrepoe-se ao mais fraco. Esta lei está acima do valor que tem o proprio sentimento.
Surgiu no centro com a cabeça hesitante de um lado para o outro. Dançava como um louco. como um louco.com o corpo todo.com os joelhos. a cabeça. os braços agitantes.e o ar fugia entre os dedos. a barriga fazia sons. E em saltos para o ar caía no chao como que cada mao que batesse na pele do tambor fosse um tiro que o levava ao chao e fosse um gole na poçao magica de Asterix que o fizesse erguer-se numa medida de tempo que nao existe.caía de joelhos.caía de costas.o corpo todo no ar.os seus olhos fixos nao sei onde.talvez ele nao pudesse senti-los. Agora a sua energia era toda movimento e criaçao.
O mestre das rastas sentiu-se ameaçado. e recorreu à sua tecnica em capoeira para tentar lutar pelo seu espaço. Convidou o “marado” das sapatilhas verdes para uma dança. No seu estilo desajeitado via-se bem que agora estava agressivo.a “capoeira” fazia-os rebolar pelo chao. Agarrados um ao outro. Escorregavam na erva trocando posiçoes.
Mas o que intimida é alguém ser mais ousado que os outros pois ultrapassa o conhecimento e a previsibilidade, e o “tilhas verdes” sabia disso. e pelo chao inventava todas a posiçoes possiveis.a sua genica era aterradora agora.enquanto o mestre mexia um braço o “tilhas verdes” já tinha feito o pino em cima da barriga do mestre.já lhe tinha posto a cabeça entre as pernas e dado um grande abraço de folego que colmatava a partilha desigual de um espaço.
O mestre nao deixou de o ser. Sei que para a semana vai lá estar. Ele é preciso lá. mas para ele a tarde sentiu-se agora mais pesada e por momentos desapareceu.
Enquanto isso o tilhas verdes dançava.e agora sentindo que era altura de voltar a surpreender começou a emitir gemidos que aos poucos se sentiam na musica dos batuques. gemidos, gritos, palavras que nao existem no mundo de quem as procura entender.tudo. enquanto os seus olhos agora ficavam maiores. ainda fixos. A noite começava a cair e ele descansou.
A noite foi fogo para os malabares. Agora era mais belo. A luz conduzia sempre o meu olhar. O movimento dos olhos massajava a ponta do cerebro.também ele precisa relaxar.

terça-feira, novembro 11, 2003

Mutaçoes


Barcelona continua viva.
Suas calles continuam intocáveis.
O mistério e a imprevisibilidade permanecem no espirito da sua essencia. O aroma, a luz, a gente, até o lixo que surge como gente, identificam a existência de uma vida que poderá também ser a nossa. Já nós nao permanecemos intocáveis.
Há alguns personagens que povoam as ruas. Nao sao gente. Sao a própria rua. Olham ou simplesmente nao olham cada um que penetra no seu espaço.Eles escolhem. Olham porque vivem de nós.Simplesmente nao olham porque vivem da rua.
Estes ultimos dias começo a sentir esses personagens um pouco como sinto o virar de cada esquina. sim, agora já mudo de calle sem precisar de mirar bem a seguinte: apenas continuo o meu passo confiante que vou no caminho certo. Também agora conheço as ruas destes personagens.alguns conseguem perturbar-me.Sei o que fazem quando andam na rua e sei o que fazem quando deixam de ser rua.
Sei que os ladroes andam aí. Tao evidentes como a sua propria vontade de roubar.Senti já a mao de um tentar aceder ao meu bolso.Enquanto os meus olhos procuravam a sua mao já ele me olhava piscando o olho. surreal. reconhecendo acima de tudo a sua existência momentanea como personagem das Ramblas. Um descaramento teatral que abalou os 20 minutos que o fiquei a ver. Apenas passava despercebido para as suas vitimas. avisei algumas pessoas:o gajo conseguiu deixar-me furioso.
Sei que uma pedinte velha vestida de preto e que caminha muito trémula, descalça, faça chuva ou sol, agarrada a um bastao e quase sentido o cheiro das suas passadas de tao vergada que se move, também conhece o sabor de um cigarro enquanto o sol a reconhece sentada em frente ao McDonalds falando com os punks vagabundos da zona. E estes punks que inicialmente julgava que estavam de passagem afinal habitam mesmo algumas ruas onde melhoram a agilidade com que percorrem a flauta (pois o turistas afinal andam por aí) e alheiam-se da vida que continua e pensam na melhor forma de arranjar comida para partilhar com os seus fieis caes.
Sei que os turistas gostam de ver a sagrada familia, mas para muitos o prazer atinge o auge no tilintar das moedas que trazem no bolso e que procuram a surpresa, a risada, e o mistério das personagens que vivem as Ramblas. Gostam de rir. Gostam de se surpreender. Gostam de sentir que a imaginaçao e a criatividade existe para além da utilidade das coisas.
Sei algumas coisas mais que me permitem tentar ser também um pouco de todos os personagens de Barcelona.
Barcelona sabe que as coisas têm que ser descobertas aos poucos para que nao percam o interesse e também por isso guarda os seus maiores segredos com cuidado. sinto por vezes que continuar a descobrir é aliciante mas dificil.


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