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segunda-feira, fevereiro 23, 2004

Arte



Estes ultimos dias da minha estadia em Barcelona tenho aproveitado para ir ver exposiçoes e museus que ainda me pesavam na carteira.
Uma exposiçao muito boa na casa La Pedrera aonde estavam expostas pinturas de 5 pintores portugueses: Amadeo de Souza Cardoso, Vieira da Silva , Almada Negreiros, Joaquim Rodrigo e Paula Rego. principalmente os 3 primeiros pintores prenderam-me a atençao: maquinizaçao cubista da pintura, abstracçao em cores cumplices de uma complexidade aparente, organizaçao do espaço em traços obliquos temporais e luminosidade que molda angulosidades em formas labirinticas conhecidas, e finalmente representraçao da luz e cor em continuidade com uma forma simplificada da realidade: desmontar o que se vê em traços simples independentes e dar-lhes vida através de pinceladas de luz.

O museo Dali em Figueres e uma exposiçao organizada por uma galeria junto à praça de Espanha sobre o mesmo agitaram-me os limites da realidade. Por vezes tentava pintar o quadro que via à minha frente: ousava descobrir o que pensaria cada pincelada de loucura em saltos que sentia cada vez maiores em sorrisos de poder.
Uma das coisas que notei foi que Dali nao devia falar muito: falar exige organizar ideias num discurso que evolui em regras de compreensao predeterminadas. Numa conversaçao, uma ideia final apenas se consegue no final do discurso.e para lá chegar utilizam-se ligaçoes coerentes e preconcebidas entre ideias mais simples.também o tempo controla a comunicaçao oral. Ora nada disto se passa numa pintura de Dali: a realidade das suas pinturas está distorcida, sem tempo nem forma. as ideias fundem-se em sentimentos aleatórios de imaginaçoes independentes da ideia final. apenas ligadas à vontade de quebrar o espelho da realidade em formas de absurdo que se organizam num sentimento final. a sua pintura é anti oral. obriga à necessidade de uma constante desorientaçao do cerebro das relaçoes simples que se pintam em palavras. obriga à criaçao de alguns conceitos próprios e a uma procura pela desorganizaçao de ideias. desorganizar para organizar. numa linguagem própria conseguida através do pensamento de um mundo muito pensado, muito livre e que ama a articulaçao de ideias em insultos de preconceitos.a sua pintura sao anos de desorganizaçao.

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Uma sala xadrez



Criar estimula a criaçao.no sentido artístico. extrapolar inexistencias em insultos de realidade. crer em combinaçoes inúteis de visoes independentes que surgem em soluços bruscos de solidao.um desespero orgulhoso e rebelde de abstracçao.
Observar a criaçao dá força para criar. faz-nos sentir capazes de pensar arte. de sentir arte. de ser surpresa e de ser menos gente: um punho fechado com força, nas veias que surgem em relevos de sonho e liberdade.
O mais dificil é materializar a imaginaçao.Nao desistir antes de começar.

A musica na sala era simples. melodias infantis amadurecidas por mezclas de sons e efeitos sonoros distorcidos. uma voz distante em busca de ser homem, torneada de emoçoes indefinidas na paixao. tranquilas contudo. as guitarras indistintas em distorsoes de movimentos suaves. e uma atmosfera que sentia pinceladas longas de sonoridades pouco modernas. poderosas no balanceamento do corpo em sopros de deja vu.
O dj dançava em entusiasmo.afogando o corpo em movimentos de uma corda que se agarra apenas em uma ponta. articulando a mao, o braço, a anca, em ondas estacionárias de exagero e seduçao. A cara dele nao me era estranha. já o tinha visto numa passagem de modelos em que a espanhola do meu piso participou. Lá estava ele no final vestido de mulher. irritantemente natural.
Mas naquela sala ele nao era o centro das atençoes.

As paredes da sala podiam também sentir a musica. eram fusao de cor e de traços de um desconforto temporário. forradas a cor de laranja e vermelho numa malha xadrez. numa malha regular. o tecto também: xadrez. E dentro de cada elemento da malha havia uma imagem sobreposta à sua cor.em traços negros conhecidos. na parede da direita essa imagem era um olho: repetido por toda a parede.por toda a parede. e à minha frente : uma boca. na parede do lado esquerdo: outro olho. e no tecto um nariz. Imagens que me sentiam rigidas de interrogaçoes. desconhecendo a sua origem. a sua razao. mas aproveitando para lembrar que no fim do mundo alguém vai resistir.


domingo, fevereiro 08, 2004

Deambulçoes em serpentina


Há algum tempo nao escrevo: uns dias em Andorra a esquiar. Agora um trabalho e um exame que me usam. respiro mais rápido . respiro ainda mas o tempo atrapalha-se entre os seus limites mesmo nao os conhecendo.

Agora mais bronzeado que antes.
a neve concentra o sol em raios de cor e eu sei disso: “ponho um pouco de creme protector. e vou esquiar” . Montanhas que existem no sentido da gravidade.
Admiro a quantidade de apaixonados pela neve. Aqui eles mandam: faça neve. faça sol. sentem a liberdade de escolher a sua descida e o poder de a descer: e sorriem a subida que é aqui facil. um suspiro vencedor senta-se nas telecadeiras e inspira autoridade: a lei da natureza é desorientada.
A descida é desejada. palmadas na neve tranquilizam o cerebro. curvas dispersas sacodem ideias, levantam leques de neve e marcam rasgos de controlo dos skis. Penso apenas nas partes do corpo que vou alimentar de força. de direcçao.velocidade.enquanto os skis aceleram, o pensamento abranda. tenta anular a resultante das forças que nao conheço. sistematizar movimentos. deixar de existir.
Os primeiros dias foram frios e com demasiada neve vinda do céu. os ultimos com sol e sem gorro.

De volta a Barcelona logo os meus olhos penetram outra vez mais fundo.se moldam numa almofada cinzenta que dorme menos. que se perturba e se sacode de desvios por entre gente e de perguntas por entre um caos de outras perguntas. mutantes. que se riem na sua indeterminaçao. nas perguntas de outras gentes.

Um cabelo mal tratado tem esperanças na mao que pede para sobreviver.está sentada colada a uma parede velha.a cabeça erguida para o céu. a pele queimada.a expressao cansada e os seu olhos desconhecidos. pés feridos de nao andarem e pernas inchadas de recordaçoes. A natureza é unidireccional e contínua: uma ferida que nao se trata inflama. cresce até morrer.
Muitas vezes penso se a sua direcçao terá dois sentidos. talvez nao. porque poder ser continua em dois sentidos opostos parece-me demasiado injusto.
Uma maça sempre apodrece : mas a verdade é que também passou de verde a madura. talvez entao a natureza seja continua e unidireccional em dois sentidos finitos ligados por uma indefiniçao de tempo. e ser gente é saltar de maça em maça golpeando a natureza que a faz apodrecer. resistir ao seu sabor doce enquanto é tempo: porque a Natureza nao avisa. adormece. anestesia. porque a maça podre dá dor de barriga que limita a resistência e emite um odor tóxico que nos faz esquecer por momentos a importancia de usar todos os sentidos e nao apenas o olfactivo.

Uns dias fora de Barcelona serviram para voltar a sentir o impacto das suas ruas agora que voltei. Sentia falta de fugir com a direcçao de outros olhares e de me entregar a um observar ridículo que me domina o caminhar e que me confessa gostar de existir.

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