0 Carrer del Vidre <$BlogRSDUrl$>

segunda-feira, março 15, 2004

Vou mudar de casa.

http://cordecinza.blogspot.com/

um jantar tranquilo com torradas e manteiga.as luzes, um amarelo quente.

A época Erásmica chegou mesmo ao fim.
Pergunto-me se este blog deve também deixar de existir. A verdade é que nestes meses que se aproximam o tempo vai ser pouco para soltar palavras. e a inspiração menos interessante. existe. mas.
Talvez mude o título do blog.
Quero continuar a comunicar. a forçar as ideias nas pontas dos dedos. soltas. como pepitas de ouro que atiro de um penhasco.
Nao confio no meu teclar. sinto-o umas vezes. outras não. nao gosto de não o sentir.isso faz-me recear escrever. faz-me parar.

segunda-feira, março 08, 2004

O meu último dia em Barcelona senti-o ansioso. De alguma forma queria testar se havia algo diferente em mim. Queria sentir se a minha expressão era um pouco menos receio. Receio de gente. Receio de mim.
A verdade é que cada um tem os seus obstáculos, os seus medos, todos grandes para cada um em particular. Sempre que superamos alguma etapa, um duplo sopro nos invade: um com cheiro a passado e outro com frescura de futuro. Frescura energética. mas: com um fim que sorri disfarçado.e ousando sempre mostrar-se. As minhas pálpebras alongam-se sabendo disso e fixam-se em impulsos eléctricos que tentam chegar bem ao centro do cérebro e dizer: agora não pares. agora não pares. seria ideal conseguir encadear o nosso viver em saltos contados de carneiros. Um , dois , tres, quatro obstáculos ,cinco ... Mas a monotonia espreita, sorrateira. Formosa.
As mesmas pessoas nos empurram, os mesmos sentimentos continuam a existir e a bombardear-nos em caminhadas de pés descalços. Os mesmos pés desconhecem o melhor caminho. E o caminho que seguimos já o conhecemos.

Uma experiência Erasmus possibilita acelerar o numero de situações distintas que vivemos. concentrar no tempo confrontos com a realidade. em situações novas. com pessoas que não sabem quem somos, apenas tentam adivinhar. e que por isso podemos surpreender num jogo sedutor da realidade e que acima de tudo nos possibilita alterar algo no que somos para os que já nos conhecem e dar mais valor ao dia-a-dia num contexto de venha-o-que-vier-tá-se-bem. É mais fácil começar de novo do que mudar. Quando a comida está salgada o que podemos fazer?

No meu caso nem tudo são vitórias. por exemplo: desejava ter encontrado mais pessoas cúmplices do meu pensamento: mas sinto que não o consegui. Talvez o tempo fosse pouco. Talvez. eu ainda não conheça bem o meu pensamento.

As relações socais entre as pessoas são lineares: ou sejam elas apenas vêem determinadas características nos outros. Sentem-se bem ou mal com isso. Mas uma relação ultrapassa essa simplicidade, pois o que os outros podem ver em mim pode ser algo que eu quero mudar em mim, e então essas pessoas são agressões constantes à minha força. Sem saberem disso. E eu confundo-me com isso. Posso beber uma cerveja com elas: um trago largo cala algo que me sinto dizer e faz-me sorrir no que digo e outro trago esquece o que penso quando estou sozinho. No final até venho bem disposto para casa!
A verdade é que há anos que sinto dificuldade em encontrar pessoas com as quais me sinta bem no pensamento.

Em Barcelona senti-me bem muitas vezes, quase que me permitia parar o tempo. Mas senti algumas dificuldades mais para o final. Síndrome dos grupos. Confesso que se ficasse mais meio ano desistia do grupo de amigos que tinha e voltava a iniciar tudo outra vez. A minha maior fobia é grupos grandes de amigos. É quase como uma corda que prende pensamentos em mãos dadas de uma amizade frágil baseada em segredos que são trunfos e em segredos que são fragilidades. Todos podem falar. Todos podem errar. Em grupo, erro com eles.

Viver numa casa com mais 3 pessoas que não conhecia foi uma experiência óptima. Conheci os problemas que surgem sempre nestas situações e conheci também as coisas boas. Ri-me muito, conheci modos de vida diferentes, pessoas diferentes, possibilidades de vida diferentes. Tive a oportunidade de conhecer bem cada um dos meus companheiros e de me moldar a cada um deles, de conhecer os seus hábitos e calmamente entornar o meu copo de água de domínio do território. Todos lutamos por sobreviver num lugar que consigamos controlar.

Depois desta etapa estou mais convicto que aos 18 anos devia ter saído de casa. Viver num ambiente jovem é rico e motivador. Teria certamente um sorriso mais duradouro. Tive também a noção que engenharia é um curso de entrega: entrega do pensamento, de muita da nossa sensibilidade e tempo. Conheci engenheiros de todo o mundo e efectivamente há algo em comum: o rabo entre as pernas. uma superioridade inerente ao domínio físico e lógico da realidade mas um pânico escondido num mundo excessivamente “matrix” em que uma parede em tons laranja nada tem a ver com a índia, mas com uma quantidade de números, de cálculos, de consequências a curto e longo prazo, de durabilidades, de resistências de materiais de comportamentos. Controlados. Quando alguém com esta formação vive numa casa dos pais ou numa casa com outros engenheiros então atinge-se o limite.

No último dia pela tarde, bebia um chá de despedida com o Raul quando olhamos janela fora: neve! neve caía. Flocos grandes de neve em Barcelona. Um branco céu de despedida em forma de magia. E o chá quente derretia num balancear gustativo de momentos de recordação. Numa sala com sofás cor-de-rosa. Acomodada em paredes de desenhos pendurados. Em paredes que vi rir. Em paredes que mandei calar. E paredes que senti mudarem.

A viagem de volta foi atribulada. Trazer bagagem de seis meses no avião não é fácil. Obrigou-me a alguma organização. As coisas mais pesadas para um lado, as menos pesadas para outro. Depois as menos pesadas coloquei-as na mala que viria no porão do avião, e as mais pesadas (entre outras coisas muitos cadernos e livros) vinham comigo numa mochila, numa saca de plástico a dar ar de turista que leva recordaçoes, e no cinto a maquina fotográfica, duas carteiras, e uma bolsa de cintura a arrebentar pelas costuras. Vestido trazia duas calças, uma t-shirt, uma camisa grossa , uma camisola, e dois casacos (não conseguia levar toda esta roupa na mala!)
A saca de plástico a dar ar de turista, cheia até cima, logo revelou a sua verdadeira identidade: estava eu passeando com um carrinho de bagagens quando alguma irregularidade no chão provocou uma paragem brusca. Logo o saco de plástico saiu disparado, com todas as supostas “compras de turista” : toalhas de banho, sapatos, candeeiro, outras coisas de higiene,cds, bem. tudo espalhado pelo chão. Para apanhar as coisas tive a ajuda de uma senhora inglesa. Gracias.Gracias. dizia eu.
Tive um problema ainda com o bilhete. Disseram-me que tinha que pagar mais 65 euros. Não devem bater bem da bola pensava eu: tive que pagar. Depois fui pesar a bagagem. Apareceu 34,5 kg. mas passou! “E o que leva aí?” ah isto é bagagem de mão. Coisa pouca- disse eu. Mal ela imaginava o peso daquilo.
Passei no detector de metais à primeira: a próxima etapa era entrar no avião. Agora já não me podiam obrigar a pagar mais nada pensava eu. Entretanto eu transpirava a falta de espaço para levar a roupa que vestia.
Entrei no avião: uma amostra de avião. dos primeiros a entrar verifiquei que a minha mochila não cabia no armário. fiz força e mais força. mas era impossível. Então, numa mão tinha a mochila e na outra um saco enorme de “recuerdos” e estava nesse momento a interromper a passagem de pessoas. Oh: perdona, perdona, perdona. dizia eu a quem se esforçava para passar por mim. depois disse a uma menina de bordo que a mochila não cabia. ela respondeu-me: tem que ir no porão, importa-se. Eu? se me importo? não me importava nada o que eu não queria era estar a pagar um dinheirão por aquele peso todo. a menina disse-me: “ quando sair do avião, recolhe a sua mochila logo à entrada” enquanto dizia isso eu entregava-lhe a mochila ao mesmo tempo que via a expressão de esforço na sua cara.e dizia: “isso são só livros, não tem problema”. Ufa agora só precisava livrar-me da saca. também não cabia nos armários. por sorte havia uns lugares vazios. a minha saca e a minha bolsa de cinto ocuparam um deles.
Tirei um casaco. continuava de casaco. Mas agora estava tudo encaminhado. Já não transpirava muito. A viagem não estava a ser fácil, mas já não faltava muito.
“Estamos a 5000m de altitude, 54 graus negativos lá fora, 720 km/h e a meia hora do Porto.”
Correu tudo bem até chegar ao Porto. Foi mais fácil sair com as bagagens do que entrar. E depois estavam à minha espera os meus pais que me ajudaram. eu só dizia:” parece que vim de comboio. estou de rastos” .pudera!

This page is powered by Blogger. Isn't yours?