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segunda-feira, março 15, 2004

Vou mudar de casa.

http://cordecinza.blogspot.com/

um jantar tranquilo com torradas e manteiga.as luzes, um amarelo quente.

A época Erásmica chegou mesmo ao fim.
Pergunto-me se este blog deve também deixar de existir. A verdade é que nestes meses que se aproximam o tempo vai ser pouco para soltar palavras. e a inspiração menos interessante. existe. mas.
Talvez mude o título do blog.
Quero continuar a comunicar. a forçar as ideias nas pontas dos dedos. soltas. como pepitas de ouro que atiro de um penhasco.
Nao confio no meu teclar. sinto-o umas vezes. outras não. nao gosto de não o sentir.isso faz-me recear escrever. faz-me parar.

segunda-feira, março 08, 2004

O meu último dia em Barcelona senti-o ansioso. De alguma forma queria testar se havia algo diferente em mim. Queria sentir se a minha expressão era um pouco menos receio. Receio de gente. Receio de mim.
A verdade é que cada um tem os seus obstáculos, os seus medos, todos grandes para cada um em particular. Sempre que superamos alguma etapa, um duplo sopro nos invade: um com cheiro a passado e outro com frescura de futuro. Frescura energética. mas: com um fim que sorri disfarçado.e ousando sempre mostrar-se. As minhas pálpebras alongam-se sabendo disso e fixam-se em impulsos eléctricos que tentam chegar bem ao centro do cérebro e dizer: agora não pares. agora não pares. seria ideal conseguir encadear o nosso viver em saltos contados de carneiros. Um , dois , tres, quatro obstáculos ,cinco ... Mas a monotonia espreita, sorrateira. Formosa.
As mesmas pessoas nos empurram, os mesmos sentimentos continuam a existir e a bombardear-nos em caminhadas de pés descalços. Os mesmos pés desconhecem o melhor caminho. E o caminho que seguimos já o conhecemos.

Uma experiência Erasmus possibilita acelerar o numero de situações distintas que vivemos. concentrar no tempo confrontos com a realidade. em situações novas. com pessoas que não sabem quem somos, apenas tentam adivinhar. e que por isso podemos surpreender num jogo sedutor da realidade e que acima de tudo nos possibilita alterar algo no que somos para os que já nos conhecem e dar mais valor ao dia-a-dia num contexto de venha-o-que-vier-tá-se-bem. É mais fácil começar de novo do que mudar. Quando a comida está salgada o que podemos fazer?

No meu caso nem tudo são vitórias. por exemplo: desejava ter encontrado mais pessoas cúmplices do meu pensamento: mas sinto que não o consegui. Talvez o tempo fosse pouco. Talvez. eu ainda não conheça bem o meu pensamento.

As relações socais entre as pessoas são lineares: ou sejam elas apenas vêem determinadas características nos outros. Sentem-se bem ou mal com isso. Mas uma relação ultrapassa essa simplicidade, pois o que os outros podem ver em mim pode ser algo que eu quero mudar em mim, e então essas pessoas são agressões constantes à minha força. Sem saberem disso. E eu confundo-me com isso. Posso beber uma cerveja com elas: um trago largo cala algo que me sinto dizer e faz-me sorrir no que digo e outro trago esquece o que penso quando estou sozinho. No final até venho bem disposto para casa!
A verdade é que há anos que sinto dificuldade em encontrar pessoas com as quais me sinta bem no pensamento.

Em Barcelona senti-me bem muitas vezes, quase que me permitia parar o tempo. Mas senti algumas dificuldades mais para o final. Síndrome dos grupos. Confesso que se ficasse mais meio ano desistia do grupo de amigos que tinha e voltava a iniciar tudo outra vez. A minha maior fobia é grupos grandes de amigos. É quase como uma corda que prende pensamentos em mãos dadas de uma amizade frágil baseada em segredos que são trunfos e em segredos que são fragilidades. Todos podem falar. Todos podem errar. Em grupo, erro com eles.

Viver numa casa com mais 3 pessoas que não conhecia foi uma experiência óptima. Conheci os problemas que surgem sempre nestas situações e conheci também as coisas boas. Ri-me muito, conheci modos de vida diferentes, pessoas diferentes, possibilidades de vida diferentes. Tive a oportunidade de conhecer bem cada um dos meus companheiros e de me moldar a cada um deles, de conhecer os seus hábitos e calmamente entornar o meu copo de água de domínio do território. Todos lutamos por sobreviver num lugar que consigamos controlar.

Depois desta etapa estou mais convicto que aos 18 anos devia ter saído de casa. Viver num ambiente jovem é rico e motivador. Teria certamente um sorriso mais duradouro. Tive também a noção que engenharia é um curso de entrega: entrega do pensamento, de muita da nossa sensibilidade e tempo. Conheci engenheiros de todo o mundo e efectivamente há algo em comum: o rabo entre as pernas. uma superioridade inerente ao domínio físico e lógico da realidade mas um pânico escondido num mundo excessivamente “matrix” em que uma parede em tons laranja nada tem a ver com a índia, mas com uma quantidade de números, de cálculos, de consequências a curto e longo prazo, de durabilidades, de resistências de materiais de comportamentos. Controlados. Quando alguém com esta formação vive numa casa dos pais ou numa casa com outros engenheiros então atinge-se o limite.

No último dia pela tarde, bebia um chá de despedida com o Raul quando olhamos janela fora: neve! neve caía. Flocos grandes de neve em Barcelona. Um branco céu de despedida em forma de magia. E o chá quente derretia num balancear gustativo de momentos de recordação. Numa sala com sofás cor-de-rosa. Acomodada em paredes de desenhos pendurados. Em paredes que vi rir. Em paredes que mandei calar. E paredes que senti mudarem.

A viagem de volta foi atribulada. Trazer bagagem de seis meses no avião não é fácil. Obrigou-me a alguma organização. As coisas mais pesadas para um lado, as menos pesadas para outro. Depois as menos pesadas coloquei-as na mala que viria no porão do avião, e as mais pesadas (entre outras coisas muitos cadernos e livros) vinham comigo numa mochila, numa saca de plástico a dar ar de turista que leva recordaçoes, e no cinto a maquina fotográfica, duas carteiras, e uma bolsa de cintura a arrebentar pelas costuras. Vestido trazia duas calças, uma t-shirt, uma camisa grossa , uma camisola, e dois casacos (não conseguia levar toda esta roupa na mala!)
A saca de plástico a dar ar de turista, cheia até cima, logo revelou a sua verdadeira identidade: estava eu passeando com um carrinho de bagagens quando alguma irregularidade no chão provocou uma paragem brusca. Logo o saco de plástico saiu disparado, com todas as supostas “compras de turista” : toalhas de banho, sapatos, candeeiro, outras coisas de higiene,cds, bem. tudo espalhado pelo chão. Para apanhar as coisas tive a ajuda de uma senhora inglesa. Gracias.Gracias. dizia eu.
Tive um problema ainda com o bilhete. Disseram-me que tinha que pagar mais 65 euros. Não devem bater bem da bola pensava eu: tive que pagar. Depois fui pesar a bagagem. Apareceu 34,5 kg. mas passou! “E o que leva aí?” ah isto é bagagem de mão. Coisa pouca- disse eu. Mal ela imaginava o peso daquilo.
Passei no detector de metais à primeira: a próxima etapa era entrar no avião. Agora já não me podiam obrigar a pagar mais nada pensava eu. Entretanto eu transpirava a falta de espaço para levar a roupa que vestia.
Entrei no avião: uma amostra de avião. dos primeiros a entrar verifiquei que a minha mochila não cabia no armário. fiz força e mais força. mas era impossível. Então, numa mão tinha a mochila e na outra um saco enorme de “recuerdos” e estava nesse momento a interromper a passagem de pessoas. Oh: perdona, perdona, perdona. dizia eu a quem se esforçava para passar por mim. depois disse a uma menina de bordo que a mochila não cabia. ela respondeu-me: tem que ir no porão, importa-se. Eu? se me importo? não me importava nada o que eu não queria era estar a pagar um dinheirão por aquele peso todo. a menina disse-me: “ quando sair do avião, recolhe a sua mochila logo à entrada” enquanto dizia isso eu entregava-lhe a mochila ao mesmo tempo que via a expressão de esforço na sua cara.e dizia: “isso são só livros, não tem problema”. Ufa agora só precisava livrar-me da saca. também não cabia nos armários. por sorte havia uns lugares vazios. a minha saca e a minha bolsa de cinto ocuparam um deles.
Tirei um casaco. continuava de casaco. Mas agora estava tudo encaminhado. Já não transpirava muito. A viagem não estava a ser fácil, mas já não faltava muito.
“Estamos a 5000m de altitude, 54 graus negativos lá fora, 720 km/h e a meia hora do Porto.”
Correu tudo bem até chegar ao Porto. Foi mais fácil sair com as bagagens do que entrar. E depois estavam à minha espera os meus pais que me ajudaram. eu só dizia:” parece que vim de comboio. estou de rastos” .pudera!

segunda-feira, fevereiro 23, 2004

Arte



Estes ultimos dias da minha estadia em Barcelona tenho aproveitado para ir ver exposiçoes e museus que ainda me pesavam na carteira.
Uma exposiçao muito boa na casa La Pedrera aonde estavam expostas pinturas de 5 pintores portugueses: Amadeo de Souza Cardoso, Vieira da Silva , Almada Negreiros, Joaquim Rodrigo e Paula Rego. principalmente os 3 primeiros pintores prenderam-me a atençao: maquinizaçao cubista da pintura, abstracçao em cores cumplices de uma complexidade aparente, organizaçao do espaço em traços obliquos temporais e luminosidade que molda angulosidades em formas labirinticas conhecidas, e finalmente representraçao da luz e cor em continuidade com uma forma simplificada da realidade: desmontar o que se vê em traços simples independentes e dar-lhes vida através de pinceladas de luz.

O museo Dali em Figueres e uma exposiçao organizada por uma galeria junto à praça de Espanha sobre o mesmo agitaram-me os limites da realidade. Por vezes tentava pintar o quadro que via à minha frente: ousava descobrir o que pensaria cada pincelada de loucura em saltos que sentia cada vez maiores em sorrisos de poder.
Uma das coisas que notei foi que Dali nao devia falar muito: falar exige organizar ideias num discurso que evolui em regras de compreensao predeterminadas. Numa conversaçao, uma ideia final apenas se consegue no final do discurso.e para lá chegar utilizam-se ligaçoes coerentes e preconcebidas entre ideias mais simples.também o tempo controla a comunicaçao oral. Ora nada disto se passa numa pintura de Dali: a realidade das suas pinturas está distorcida, sem tempo nem forma. as ideias fundem-se em sentimentos aleatórios de imaginaçoes independentes da ideia final. apenas ligadas à vontade de quebrar o espelho da realidade em formas de absurdo que se organizam num sentimento final. a sua pintura é anti oral. obriga à necessidade de uma constante desorientaçao do cerebro das relaçoes simples que se pintam em palavras. obriga à criaçao de alguns conceitos próprios e a uma procura pela desorganizaçao de ideias. desorganizar para organizar. numa linguagem própria conseguida através do pensamento de um mundo muito pensado, muito livre e que ama a articulaçao de ideias em insultos de preconceitos.a sua pintura sao anos de desorganizaçao.

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Uma sala xadrez



Criar estimula a criaçao.no sentido artístico. extrapolar inexistencias em insultos de realidade. crer em combinaçoes inúteis de visoes independentes que surgem em soluços bruscos de solidao.um desespero orgulhoso e rebelde de abstracçao.
Observar a criaçao dá força para criar. faz-nos sentir capazes de pensar arte. de sentir arte. de ser surpresa e de ser menos gente: um punho fechado com força, nas veias que surgem em relevos de sonho e liberdade.
O mais dificil é materializar a imaginaçao.Nao desistir antes de começar.

A musica na sala era simples. melodias infantis amadurecidas por mezclas de sons e efeitos sonoros distorcidos. uma voz distante em busca de ser homem, torneada de emoçoes indefinidas na paixao. tranquilas contudo. as guitarras indistintas em distorsoes de movimentos suaves. e uma atmosfera que sentia pinceladas longas de sonoridades pouco modernas. poderosas no balanceamento do corpo em sopros de deja vu.
O dj dançava em entusiasmo.afogando o corpo em movimentos de uma corda que se agarra apenas em uma ponta. articulando a mao, o braço, a anca, em ondas estacionárias de exagero e seduçao. A cara dele nao me era estranha. já o tinha visto numa passagem de modelos em que a espanhola do meu piso participou. Lá estava ele no final vestido de mulher. irritantemente natural.
Mas naquela sala ele nao era o centro das atençoes.

As paredes da sala podiam também sentir a musica. eram fusao de cor e de traços de um desconforto temporário. forradas a cor de laranja e vermelho numa malha xadrez. numa malha regular. o tecto também: xadrez. E dentro de cada elemento da malha havia uma imagem sobreposta à sua cor.em traços negros conhecidos. na parede da direita essa imagem era um olho: repetido por toda a parede.por toda a parede. e à minha frente : uma boca. na parede do lado esquerdo: outro olho. e no tecto um nariz. Imagens que me sentiam rigidas de interrogaçoes. desconhecendo a sua origem. a sua razao. mas aproveitando para lembrar que no fim do mundo alguém vai resistir.


domingo, fevereiro 08, 2004

Deambulçoes em serpentina


Há algum tempo nao escrevo: uns dias em Andorra a esquiar. Agora um trabalho e um exame que me usam. respiro mais rápido . respiro ainda mas o tempo atrapalha-se entre os seus limites mesmo nao os conhecendo.

Agora mais bronzeado que antes.
a neve concentra o sol em raios de cor e eu sei disso: “ponho um pouco de creme protector. e vou esquiar” . Montanhas que existem no sentido da gravidade.
Admiro a quantidade de apaixonados pela neve. Aqui eles mandam: faça neve. faça sol. sentem a liberdade de escolher a sua descida e o poder de a descer: e sorriem a subida que é aqui facil. um suspiro vencedor senta-se nas telecadeiras e inspira autoridade: a lei da natureza é desorientada.
A descida é desejada. palmadas na neve tranquilizam o cerebro. curvas dispersas sacodem ideias, levantam leques de neve e marcam rasgos de controlo dos skis. Penso apenas nas partes do corpo que vou alimentar de força. de direcçao.velocidade.enquanto os skis aceleram, o pensamento abranda. tenta anular a resultante das forças que nao conheço. sistematizar movimentos. deixar de existir.
Os primeiros dias foram frios e com demasiada neve vinda do céu. os ultimos com sol e sem gorro.

De volta a Barcelona logo os meus olhos penetram outra vez mais fundo.se moldam numa almofada cinzenta que dorme menos. que se perturba e se sacode de desvios por entre gente e de perguntas por entre um caos de outras perguntas. mutantes. que se riem na sua indeterminaçao. nas perguntas de outras gentes.

Um cabelo mal tratado tem esperanças na mao que pede para sobreviver.está sentada colada a uma parede velha.a cabeça erguida para o céu. a pele queimada.a expressao cansada e os seu olhos desconhecidos. pés feridos de nao andarem e pernas inchadas de recordaçoes. A natureza é unidireccional e contínua: uma ferida que nao se trata inflama. cresce até morrer.
Muitas vezes penso se a sua direcçao terá dois sentidos. talvez nao. porque poder ser continua em dois sentidos opostos parece-me demasiado injusto.
Uma maça sempre apodrece : mas a verdade é que também passou de verde a madura. talvez entao a natureza seja continua e unidireccional em dois sentidos finitos ligados por uma indefiniçao de tempo. e ser gente é saltar de maça em maça golpeando a natureza que a faz apodrecer. resistir ao seu sabor doce enquanto é tempo: porque a Natureza nao avisa. adormece. anestesia. porque a maça podre dá dor de barriga que limita a resistência e emite um odor tóxico que nos faz esquecer por momentos a importancia de usar todos os sentidos e nao apenas o olfactivo.

Uns dias fora de Barcelona serviram para voltar a sentir o impacto das suas ruas agora que voltei. Sentia falta de fugir com a direcçao de outros olhares e de me entregar a um observar ridículo que me domina o caminhar e que me confessa gostar de existir.

quinta-feira, janeiro 22, 2004

Uma cidade com muitas praças



Vejo um cachecol verde em flutuaçoes de cor. Ou será um rabiote jeitoso? sigo-o num avance perfumado. os meus passos pisam outros passos. elegantes. Que sapatos velhos que tenho.
Distraio o meu corpo para um movimento que nao o meu:
Imito passadas de seduçao e rio movimentos de prazer. a testa cai sobre olhos minuciosos. semicerrados de imaginaçao. arqueados de forma. o meu pescoço cresce no alargar dos ombros e as minhas maos questionam os seus limites.
O cachecol ondula na minha direcçao. Ela também.
Numa praça de sol sei que ela quer ser louca. Numa praça de sol continua a andar.

Nao consigo ver-lhe o olhar. esconde-se com o seu sorriso. esguio e ousado. sei que ela ambiciona libertar-se. Loucos. Loucos. numa Praça de Loucos.
A cidade é a mesma. e na minha rua os mesmos gajos a vender haxixe.haxixe.haxixe. e o cachecol sacode os cabelos negros. brilhantes. os olhos : sinto-os balancear. e os meus passos curtos.estratégicos: espero pelo seu andar. gracioso.
sulcos na minha cara ousam sentir esta cidade. e aqueles movimentos. rasgos em movimentos dos labios, dos olhos.de um respirar conhecido de estar vivo. de um salto para o nada em busca de tudo. porque sei que todos queremos desafiar os limites.Enlouquecer Deus.
Abro os braços e despeço-me daquela cor verde. conheço os seu desejos: absorvi-a apenas.

Reparo as minhas calças gastas de cor. pedem-me por mais. querem voar sem direcçao no sentido dela. mas eu nao quero. nao quero. gosto mais das cores que pinto.das cores que lhe conheço sem mais: na textura de neurónios perdidos, no questionar dos limites da lucidez.
o meu corpo pesado tropeça em pedras soltas. bombas minerais silenciosas. que anseiam sentir uma explosao de sensaçoes. de reacçoes. o meu passo continua. carrega cada pedra da calçada ainda mais para o fundo. esconde cada sensaçao na esperança quente de cada pedra. prende-as.
Mas: aquele cachecol nao desaparece. aparece.desaparece.voltará.existe.sou eu.desaparece.
Gosto dos meus sapatos já velhos. E aqui há loucos em algumas praças.


sexta-feira, janeiro 16, 2004

Bomba relógio



Nao deviamos apressar o tempo. nao me deviam apressar o tempo.
Dois exames demasiado juntos atrapalham agora a minha estadia em Barcelona.Como um Crunch e tento esquecer.Bebo um café para me sentir em casa.
As ligaçoes às pessoas prendem as nossas decisoes. e estas decisoes obrigam-nos a sentir falta dessas ligaçoes quando estamos longe. duplamente mau.
mas ao sentirmos falta de alguém que influi a nossa decisao estamos a ser controlados pela propria decisao.ou seja, uma decisao é controlada por dentro e por fora por ligaçoes que muitas vezes nao controlamos. as pequenas pepitas de cereal no chocolate ficam bem.
Foi entao que me encandeou uma luz.
Vi uma cena de destruiçao muito violenta. As imagens passavam na minha cabeça em camara lenta com a evidência de uma musica.essa musica era crua. quase nao existia. podia ouvir-se como o respirar.e a destruiçao era continua e forte.pesada.a respiraçao lúcida. estilhaços de realidade explodiam por todo o lado. dentes de prazer rangiam loucura. um mundo de limites dissolvia-se na força dos movimentos. e gestos de liberdade equilibravam as forças da rotura.
A detruiçao fulminava toda a energia do meu campo de visao.e um pouco de chocolate era já restos de nada. De subito senti-me mais frio.
Tenho que fazer uma chamada para Portugal:
1000km de linha de. vida : 1000 km de linha de. decisoes: 1000km de linha de. sorrisos.

segunda-feira, janeiro 05, 2004

Barcelona again



De volta a Barcelona. reafirmaçao de um conceito quase perdido: passos na cidade. gente na cidade.risos na cidade. muito sol na cidade.

A minha casa continua em grande forma.
Raul: sempre sem nada para fazer: passa horas a tomar chá no prolongamento da sala desiquilibrado sobre terraços (varanda) contemplando as cores enferrujadas das traseiras de outros prédios.cores que param o tempo.
Carme: (ou Karme, nome artístico) permanece na corda bamba do estrelato. uma estrela á espera de o ser. está radiante pois vai estrear-se numa peça de teatro onde vai ser levantada em braços por rapazes giros enquanto toca a musica "Material Girl" de Madonna.Delirante.
Andy: está um pouco em baixo de forma. relatou-me uma série de problemas de nariz que tem tido.para mim é sinusite.

Os dias que vêm sao de estudo. Vou conhecer melhor a biblioteca que fica a uns minutos de minha casa. Reparei que predominam as curvas por lá (é uma biblioteca de letras!). uma curvinha aqui, outra acolá. bom para me manter desperto.


terça-feira, dezembro 23, 2003

De volta a Portugal. Um dia em Gaia




Carros e movimentos afogam a cidade. Eu dentro de um carro protegido do mundo. A chuva encontra um vidro que é olhar. A viagem é curta e o destino. solitário.
Saio do carro e bato a porta sem cuidado. Desprezo a dependência da vida na sua existência. Flocos de neve ditam esta dependência. Flocos que viram bolas de neve. Bolas que viram carros. Muitos carros. sim: aqui o autocarro tem personalidade ambígua. vontade própria. Maus hábitos. Não sabe dialogar. E o metro: existe, mas é invisível. volátil. Sonhador. eu. quero mover-me.
Onde estou agora, não chove. As ultimas prendas de Natal esperam por mim. Vim ao shopping: cidade de gente recheada de bolsos hesitantes. A temperatura é amena. As nuvens não se vêem. A natureza está recriada nos reflexos quase humanos de cada montra descontrolada. Devaneios cerebrais decidem a melhor compra. quem sou acelera o passo.quero despachar-me.
Volto para casa por outro caminho. Demasiado familiar. Uma fila de carros ri-se dos pássaros que voam. uma lagarta de fumo que hesita mover-se. uma cobra venenosa que me morde. Olho o telemóvel distraindo-me. conheço o anuncio que dá no radio.
A minha casa já se vê perto. Faltam 40 arranques de motor. um cérebro queimado.

segunda-feira, dezembro 15, 2003

Ida a Tibidabo



Tibidabo vê-se de toda Barcelona.é uma basilica que erguida no cume de uma montanha sempre nos mira com olhos de quem um dia nos vai ver por lá.
A nevoa que a rodeia esconde um misterio que conhece bem a curiosidade do ser humano. a sua essencia sorri o nosso olhar. e ela ergueu-se altiva para se mostrar. e seculos de curiosidade nos levam lá.

Entre fotos desencontradas de uma Barcelona estática esconde-se a textura de momentos que fluem em mim. momentos de emoçao e de cumplicidade de uma cidade em que vivo.Uma foto absorve a basilica.outra admira a cidade. e uma matriz de sentimentos guarda a maquina no bolso: Porque uma fotografia algumas vezes limita a existencia do que reproduz. limita-a à sua forma.à sua textura.à sua luminosidade. e algumas vezes isso nao chega. Porque quando olho o ceu, Barcelona continua a existir. Mas quem distingue Barcelona numa foto do seu céu?

Sentado num degrau da basílica de Tibidabo sinto o sol massajar-me a face. Procuro o aconchego do meu peito. A musica ajuda-me. e o sol. e o ceu. tudo é ceu do lugar onde me sento. Se me levanto Barcelona existe.grandiosa e secreta.

Há algum tempo nao escrevia. Algo me roi a capacidade de escrever. confuso entre o ser e o estar, culpo a cidade e as pessoas por nao existir sempre uma limonada de gargalhadas à minha espera cada dia. Para o Raul(o frances do meu piso) e o Andy(o alemao) o mais dificil do espanhol é compreender a diferença entre o verbo ser e o estar. no idioma deles essa diferença nao existe. Algumas vezes eu disse sorridente: “isso para mim nao é um problema porque em Português também existe essa diferença.uma questao de prática! ”. Mas a verdade é que a magia desses dois verbos continua a crescer comigo.com as minhas duvidas.
Uma vontade do tamanho do mundo existe em mim querendo questionar o responsavel por essa diferença. Talvez pudesse ajudar-me.
Outro problema é que para mim nao existem dias isolados.existe um dia que segue outros e que precede alguns mais. e hoje, os dias que vêm agitam-se no meu corpo. ocupam-me a emoçao que necessito para sentir cada palavra.
Entao procuro ultrapassar os limites das minhas duvidas e ouso acompanhar as arestas verticais desta basilica no topo da cidade. Montanhas e arvores a rodeiam. caminhos ondulam na sua direcçao. uns pelo monte. uns pelo ceu. nuvens arriscam emboscada. uma névoa opaca envolve alguns instantes do meu olhar. Duendes azuis lançam cordas de ouro para a terra dos mortais.
Ergo-me dos degraus quentes.
Ao fundo as 2 torres de barceloneta. Uma regata no mar. Montjuic se eleva. a torre de Glories perto da Sagrada Familia. Gruas na Sagrada Familia. a torre de Colon. inumeras Ramblas. o porto de Barcelona. a zona industrial. o teleferico. casas e casas.terraços.e o mar que existe até ao ceu.

terça-feira, dezembro 09, 2003

The Strokes in concert


The Strokes tocaram no pavilhao olimpico Val d'hebron.
O que eu senti foi diferente do que a banda sentiu. eu senti a musica. eu senti os apertados saltos do extase. a vontade de me entregar a um bombardearmento de sons, muitas vezes sem sentido, que me encontram na compreensao da criaçao e que ecoam a necessidade de quebrar os limites da propria musica.
Os musicos nao ferviam. é certo que nao devemos deixar que o corpo roube energia ao sentimento que pensa. mas o auge chega quando o que pensamos e sentimos produz energia suficiente para movimentar o corpo. e entao a energia é toda sentimento e pensamento que movem o corpo em rasgos de prazer.
As guitarras gritavam imoveis.e as luzes multicolores moviam-se com a multidao.
O concerto foi curto. nao voltaram para um encore. aquela musica nao é deles.
A musica foi nossa. roubamos-lhes a musica. as ondas sonoras foram cordas de uniao que esmagaram testas de ousadia.

sexta-feira, novembro 28, 2003

Perdido na noite



Dizia-me um amigo entre outros: se um dia tiver um bar entao que seja pequeno pois assim está sempre cheio. e as pessoas sempre procuram outras.
estavamos nesse momento num bar escondido numa calle perdida.o bar era pequeno e como magia nos pareceu muito nosso.estava tranquilo e as pessoas completavam perfeitamente as suas cores quentes.
A calle era feita de pouco espaço, em que os candeeiros pendurados nos edificios que lhe permitiam existir iluminavam quase sobre as nossas cabeças. Aquela era uma rua que se encontra. uma rua que existe quando desistimos de caminhar pelas rua maiores, com mais gente, mais animaçao. surge quando procuramos a tranquilidade da noite.
A distinçao de entrada ou saida desta calle nao é qualquer. pelo menos para mim. como quando amamos: criamos uma escada de sensaçoes e de entrega às emoçoes crescente que nos leva inicialmente a um fascinio talvez receoso mas que se vai transformando numa ausencia de necessidade de razao. Se descobrirmos a entrada certa também esta calle nos prepara para amar a sua forma.para subir as escadas da sua existencia. inicialmente dá-nos a luz da sua fonte.e um vazio tranquilo que sentimos nosso. depois entrega-nos a sua fragilidade, a sua irregularidade. e depois vai-nos surpreendendo com segredos escondidos em grutas de homens cavadas lateralmente a ela. bar para degustaçao de vinhos.restaurante cor de rua.algo mais.o bar(teteria) onde entramos e que sobre mesas de madeira sábias escondia a cumplicidade de um pensamento e de um olhar que nunca existe apenas em uma pessoa.
A passagem secreta para este tesouro está ao lado da Catedral.lá onde enraiza uma arvore existe uma passagem estreita que intimida o vulgar curioso. depois descobre-se a fonte.e mais luz.nao demasiada pois sao poucos os que ouvem o espaço que rodea a água que borbulha.
Depois os nossos passos encontram o ritmo do equilibrio da partilha e entregam-se a outros passos. tudo se transforma num universo de raios inquebraveis que penetra o nosso olhar caminhando sem esquecer que cada passo dado continua a existir.


segunda-feira, novembro 24, 2003

Fotos


Algumas fotos novas (poucas e de qualidade duvidosa) foram adicionadas ao link "As minhas fotos" (à direita). De salientar os castellers (torres humanas): muito marado!


segunda-feira, novembro 17, 2003

Um Domingo em Barcelona

Em Barcelona os Domingos sao para toda a gente curtir pela rua serpenteando da direita para a esquerda confirmando o que já sabem: as lojas estao cerradas.os mercados e os supermercados também.mesmo alguns cafés.
Mas a verdade é que isso nao é um verdadeiro problema (excepto se nos lembramos que ao domingo também jantamos mas a dispensa e o frigorifico nao pensaram disso).
Um Ponto de passagem é o parc de la ciutadella. A malta jovem (jovem nao pretende definir a idade mas o espirito) bamboleia o olhar pelo ritmo infinito de uns batuques que embala o tempo.e partilha a cumplicidade de um sentar descontraido pelo chao.
O ritmo acompanha ainda os muitos que se divertem fazendo algumas “malabarices”.é um ritual.um exercicio espiritual que relaxa quem vê e que interioriza quem faz. Os seus movimentos envolvem a continuidade do ritmo e lembram que o ritmo é um ponto de partida para a criaçao de novos ritmos, novos movimentos. Nada é rigido.e cada um pode eligir o seu sentimento.cada um pode criar o seu proprio movimento: porque um ritmo pode dividir-se em muitos outros. a um ritmo podem juntar-se muitos mais. e depois surge o silencio.instante de silencio. porque o silencio também é musica.pois estar parado também pode significar dançar. Mas o silencio é dificil de sentir.a pausa.a abstracçao.acreditar que é possivel agarrar uma coisa apenas controlando a vontade da propria coisa para se agarrar a nós. construir uma piramide de cima para baixo. saber que um som se divide também em silencio. e quando o silencio envolve o ritmo o inesperado controla o corpo e a imaginaçao liberta-se da realidade.

Um grupo grande de batuques e malta animada chamava a atençao. Um ajuntamento de pessoas rodeava quem tocava. Ali quem quer tocar, simplesmente toca.Basta ter um fazedor de som. e ritmo.e ter vontade de nao parar.
Um espaço algo amplo abria-se na frente dos risonhos batuqueiros.e a razao desse espaço surgiu risada para mim. A verdadeira “star” organizava o espaço e pedia aplausos.e até apresentava a malta. Um negro de cabelo com rastas, idade para nao ter juizo e um pouco desajeitado. Dançava (muito mal). Parecia querer fazer capoeira (tentava incessantemente). Olhava com cara de mau para os batuqueiros quando estes nao obdeciam ao seu ritmo. E agradecia os aplausos sem ninguém saber porque aplaudia. Na verdade o que interessava era a sua entrega àquele que era o seu espectaculo.Tudo pode ser nosso se o sentirmos como tal. Parecia impossivel destroná-lo.
E foi entao que surgiu o maior “marado” que vi até hoje. Em poucos segundos o mestre das rastas percebeu que a força que se transmite quando verdadeiramente sentimos algo também conhece a lei da natureza: o mais forte sobrepoe-se ao mais fraco. Esta lei está acima do valor que tem o proprio sentimento.
Surgiu no centro com a cabeça hesitante de um lado para o outro. Dançava como um louco. como um louco.com o corpo todo.com os joelhos. a cabeça. os braços agitantes.e o ar fugia entre os dedos. a barriga fazia sons. E em saltos para o ar caía no chao como que cada mao que batesse na pele do tambor fosse um tiro que o levava ao chao e fosse um gole na poçao magica de Asterix que o fizesse erguer-se numa medida de tempo que nao existe.caía de joelhos.caía de costas.o corpo todo no ar.os seus olhos fixos nao sei onde.talvez ele nao pudesse senti-los. Agora a sua energia era toda movimento e criaçao.
O mestre das rastas sentiu-se ameaçado. e recorreu à sua tecnica em capoeira para tentar lutar pelo seu espaço. Convidou o “marado” das sapatilhas verdes para uma dança. No seu estilo desajeitado via-se bem que agora estava agressivo.a “capoeira” fazia-os rebolar pelo chao. Agarrados um ao outro. Escorregavam na erva trocando posiçoes.
Mas o que intimida é alguém ser mais ousado que os outros pois ultrapassa o conhecimento e a previsibilidade, e o “tilhas verdes” sabia disso. e pelo chao inventava todas a posiçoes possiveis.a sua genica era aterradora agora.enquanto o mestre mexia um braço o “tilhas verdes” já tinha feito o pino em cima da barriga do mestre.já lhe tinha posto a cabeça entre as pernas e dado um grande abraço de folego que colmatava a partilha desigual de um espaço.
O mestre nao deixou de o ser. Sei que para a semana vai lá estar. Ele é preciso lá. mas para ele a tarde sentiu-se agora mais pesada e por momentos desapareceu.
Enquanto isso o tilhas verdes dançava.e agora sentindo que era altura de voltar a surpreender começou a emitir gemidos que aos poucos se sentiam na musica dos batuques. gemidos, gritos, palavras que nao existem no mundo de quem as procura entender.tudo. enquanto os seus olhos agora ficavam maiores. ainda fixos. A noite começava a cair e ele descansou.
A noite foi fogo para os malabares. Agora era mais belo. A luz conduzia sempre o meu olhar. O movimento dos olhos massajava a ponta do cerebro.também ele precisa relaxar.

terça-feira, novembro 11, 2003

Mutaçoes


Barcelona continua viva.
Suas calles continuam intocáveis.
O mistério e a imprevisibilidade permanecem no espirito da sua essencia. O aroma, a luz, a gente, até o lixo que surge como gente, identificam a existência de uma vida que poderá também ser a nossa. Já nós nao permanecemos intocáveis.
Há alguns personagens que povoam as ruas. Nao sao gente. Sao a própria rua. Olham ou simplesmente nao olham cada um que penetra no seu espaço.Eles escolhem. Olham porque vivem de nós.Simplesmente nao olham porque vivem da rua.
Estes ultimos dias começo a sentir esses personagens um pouco como sinto o virar de cada esquina. sim, agora já mudo de calle sem precisar de mirar bem a seguinte: apenas continuo o meu passo confiante que vou no caminho certo. Também agora conheço as ruas destes personagens.alguns conseguem perturbar-me.Sei o que fazem quando andam na rua e sei o que fazem quando deixam de ser rua.
Sei que os ladroes andam aí. Tao evidentes como a sua propria vontade de roubar.Senti já a mao de um tentar aceder ao meu bolso.Enquanto os meus olhos procuravam a sua mao já ele me olhava piscando o olho. surreal. reconhecendo acima de tudo a sua existência momentanea como personagem das Ramblas. Um descaramento teatral que abalou os 20 minutos que o fiquei a ver. Apenas passava despercebido para as suas vitimas. avisei algumas pessoas:o gajo conseguiu deixar-me furioso.
Sei que uma pedinte velha vestida de preto e que caminha muito trémula, descalça, faça chuva ou sol, agarrada a um bastao e quase sentido o cheiro das suas passadas de tao vergada que se move, também conhece o sabor de um cigarro enquanto o sol a reconhece sentada em frente ao McDonalds falando com os punks vagabundos da zona. E estes punks que inicialmente julgava que estavam de passagem afinal habitam mesmo algumas ruas onde melhoram a agilidade com que percorrem a flauta (pois o turistas afinal andam por aí) e alheiam-se da vida que continua e pensam na melhor forma de arranjar comida para partilhar com os seus fieis caes.
Sei que os turistas gostam de ver a sagrada familia, mas para muitos o prazer atinge o auge no tilintar das moedas que trazem no bolso e que procuram a surpresa, a risada, e o mistério das personagens que vivem as Ramblas. Gostam de rir. Gostam de se surpreender. Gostam de sentir que a imaginaçao e a criatividade existe para além da utilidade das coisas.
Sei algumas coisas mais que me permitem tentar ser também um pouco de todos os personagens de Barcelona.
Barcelona sabe que as coisas têm que ser descobertas aos poucos para que nao percam o interesse e também por isso guarda os seus maiores segredos com cuidado. sinto por vezes que continuar a descobrir é aliciante mas dificil.


segunda-feira, outubro 27, 2003

Uma corda em Barcelona


No outro dia fui ouvir musica para o terraço. Estava já a dançar quando o Raul (o francês do meu piso) apareceu. “Ei António... Qué tal? Que musica es?”.
-Um grupo Português. Anda ouvir.
Ele ouviu um pouco e embalado pelos meus movimentos acrobáticos quase a fugir do ritmo perguntou-me o que dizia a letra. Nao estava à espera dessa pergunta mas uma resposta rápida surpreendeu o meu normal desleixo para prestar atençao às letras: enquanto fazia gestos tentando imitar os artistas que no circo se equilibram numa corda disse: "Diz que a vida se deve viver como uma corda”. ele entendeu-me. E ele sorriu.
Dias mais tarde lembrei-me outra vez da letra. A sua simplicidade surgiu do tamanho de tudo o que vejo e fez-me sentir um intruso espacial.
O limite desta letra é a própria vontade e os próprios sonhos. O limite da sua realidade é cada um dos que sorri.

“DANÇAR NA CORDA BAMBA (Musica dos Cla)
Letra: Carlos Tê

A vida é como uma corda
De tristeza e alegria
Que saltamos a correr
Pé em baixo, pé em cima
Até morrer

Não convém esticá-la
Nem que fique muito solta
Bamba é a conta certa
Como dança de ida e volta
Que mantém a via aberta

Dançar na corda bamba
Não é techno, não é samba
É a dança do ter e não ter
É a dança da Corda Bamba

Salta agora pelo amor
Ele dá o paladar
Mesmo que a tua sorte
Seja a de um perdedor
Nunca deixes de saltar

Se saltares muito alto
Não tenhas medo de cair (baby)
De ficar infeliz
Feliz a cem por cento
Só mesmo um pateta feliz “

sexta-feira, outubro 24, 2003

Bairro Gótico


Algumas ruas nasceram da musica .
Em algumas a musica ainda existe.

Da textura das sombras surge o relembrar da musica que as criou. Nota a nota o sentimento que faz sonhar representa a evidência da criaçao. construçoes monumentais recortam o ceu enquanto dançam.

Risos sonhos memorias palavras passos olhares carinhos cumplicidades curiosidade:
Nestas ruas tudo cohabita em perfeiçao com a mesma musica que as criou.

Existem lugares onde esta musica se ouve no silencio. Aqui ela ouve-se no agitar de quem percorre cada passo do silencio que nao pode existir. A rua está viva.a sua memória confunde-se por entre os pensamentos. Algumas pessoas riem-se dela. Muitas riem-se com ela.

Um tilintar (euró)tico presenteia o musico pela sua vida. A perpetuaçao de cada melodia que envolve a nossa pele depende deste tilintar. O prazer existe e essa é uma forma de o demonstrar.Essa é a forma de prolongar o nosso prazer.
A magia que ondula por entre os séculos que se erguem a cada passo sabe que muitos sentem cada rua e a sua existência na retórica da musica. O musico também sabe disso.também o sente.mas o seu sentimento necessita do nosso prazer para sobreviver leve e dentro de cada um de nós.

Os olhos brilham mais por aquí. Pelo ar voa uma beleza cor de luz que nos faz acreditar que os dias dificeis existem, mas o sonho e a emoçao que nos liberta o corpo, sabem que existe um lugar para lá dos dias maus onde essa luz também somos nós.

terça-feira, outubro 14, 2003

NOME: JAMBOREE
LOCAL: Praça Real
DIA: segunda feira, 13 Outubro
HORA: 22H
ASSUNTO: Jam session (Jazz, claro!)
PREÇO: 3 euros

Para mim a hora era óptima. Nao demasiado tarde. Afinal tinha aulas no dia seguinte.pela manha.
Fui pontual.é perto de minha casa.
Desci umas escadas que cheiravam já uns ritmos de Jazz. um orgao percorria o contrabaixo enquanto a bateria mostrava que também sabe fazer musica. Era ainda uma gravaçao. No fim das escadas a luz era mais timida. e por isso me deixava mais à vontade.
A sala era grande mas dividida por paredes. nestas existiam passagens em arco. a luz e a sombra chegavam a todo o lado. pouca luz. as paredes eram de pedra. os arcos lembravam a india.
Na zona do palco nao estava muita gente.
O grupo nao demorou a aparecer. começou a tocar. O facto de nao ter muita gente deixou-me a pensar: " Será que eles ganham dinheiro suficiente para ter estes gajos a tocar?", Barcelona é muito estranha. Será que o prazer de tocar é tanto que eles tocam mesmo com tao pouca gente?". era isto que faltava no Porto.
Começaram a tocar.
Cada nota era uma cabeça a abanar. uma perna a sentir o ritmo. um sorriso que olhava a emoçao do saxofone. e mais. cada nota era cada pessoa que entrava. que aos poucos se ia sentando pelo chao. após umas musicas mais o chao nao era suficiente. e da posiçao sentada todos passamos à posiçao que caracteriza o Homem.de pé. assim cabia mais gente na sala.
Pois é. estava enganado. afinal aqui nao há concertos vazios. aqui a noite espera que as pessoas saiam para a rua mesmo que o dia seguinte faça a noite mais curta.
A musica nao dava sinais de parar. Os musicos estavam sempre a mudar. Ora trocava o guitarrista, ora trocava o baterista, o saxofonista. era uma jam session.
No palco a musica convivia. Cá em baixo,na plateia, a musica sentia-se. com "ganas" de quem queria também fazer parte dela.


sexta-feira, outubro 10, 2003

A minha universidade

A Faculdade de Engenharia de Caminos que frequento situa-se na zona universitária (fim da linha verde).uma zona repleta de Faculdades, estando a minha situada no Campus Nord (cerca de 7-10 min a pé desde que saio do metro).
Os edificios sao agradáveis:
a cor tijolo rodeia pequenas praças onde os estudantes podem sentar-se a ler ou a relaxar (por estes lados relaxar significa falar e falar e falar). Sao especialmente agradáveis quando o sol, que por aquí nao se intimida facilmente, escorre pela folhagem das arvores que cohabitam esses espaços.
É também para aquí que nos dirigimos todos, no intervalo das aulas. Sim, porque aquí as aulas têm intervalo ao contrário do que acontece em Portugal. Uma aula de 2 horas tem obrigatoriamente um intervalo de 20 min.uma de 3 horas tem 2 intervalos de 15min. Para mim é óptimo, pois, se nao tivesse intervalo (como acontecia em Portugal), antes de uma aula de 2 ou 3 horas seguidas eu pensaria sempre duas vezes antes de me aventurar a ir (o carácter desmotivante da 2ª hora nao compensa o que se aprende na primeira). com intervalo é diferente.é melhor.
Aquí no Campus os diferentes tipos de engenharia (civil, telecomunicaçoes, informática…) estao bem independentes.cada um tem a sua “praça” ou em alguns casos as suas instalaçoes estao situadas noutros locais do Campus. Desta forma nao se vê tantos alunos como na Feup.
A forma como sao dadas as aulas é muito similar à de Portugal.muito mesmo.a única diferença é que aquí nao temos aulas praticas como em Portugal. Dao-nos a teoria e depois ou temos uns trabalhos ou. “depois logo se vê”.
Os alunos parecem todos muito empenhados. E autónomos. Aliás, aquí em Barcelona todos parecem muito independentes, autónomos e responsaveis (principalmente as raparigas). Muito habituados aos “Erasmus” com quem ano a ano partilham as aulas e todos os espaços da universidade, creio que para eles estudar na sua cidade é encarado quase como eu a encaro, sendo um Erasmus. para além do trabalho existe sempre a vontade de partilhar outros conhecimentos. Estao sempre abertos a trabalhar connosco e para já parecem muito descontraídos na forma como encaram algum trabalho que tenhamos que fazer.
Quando passeio por aquí muitas vezes comparo esta com a nossa faculdade. Por exemplo, aquí todos os andares da biblioteca têm casa de banho, ao contrário de Portugal (que tem uma casa de banho para meia duzida de andares), tem bebedouros com agua fresquinha pelas instalaçoes, umas arvores espalhadas pela sombra, uma imensidao de scooters e bicicletas em vez de uma imensidao de carros, uns bancos de jardim livres para uma soneca.
Existe ainda algo que gostei especialmente. uma empresa que trata exclusivamente de todas as necessidades extracurriculares necessárias, desporto, cultura, lazer, saude. Facilmente temos acesso a inumeras opçoes de actividades, a polidesportivos, ginasios (a preços muito acessiveis para um aluno de cá) e alguns descontos especiais (cinemas,piscinas, museos). Basta para isso pagar 19 euros anuais.(eu paguei mesmo sabendo que só vou estar por cá meio ano, acho que mesmo assim vale a pena.espero.). Gostei de ver.
Claro que nem tudo é bom. Aquí nao existem os preços magnificos das cantinas portuguesas. Para almoçar tenho que gastar o dobro ou o triplo. E mesmo os serviços de cafeteria sao bastante mais caros.e a comida às vezes é um pouco estranha. Aquí muitos trazem comida de casa.umas sandocas.uma pasta.
Mas atençao, nem tudo está mal para quem traz a comida de casa pois aquí nao faltam os microondas para os alunos utilizarem. A primeira vez que os vi dei umas gargalhadas. É quase como a “Ceifeira” de Fernando Pessoa.”ter a incosciência dela e a consciência disso”. Aquí gastam dinheiro em equipamento (microondas – consciencia das necessidades de quem traz comida de casa) que servirá para diminuir uma necessidade maior que deveriam resolver primeiro (inconsciencia pois deveriam ter serviços de refeiçao mais acessiveis). Eheh. Eles têm alguma consciencia da sua inconsciencia. Mas mais vale pouco que nada né?


terça-feira, outubro 07, 2003

Cap. 6 - Na casa de alguém.


Sábado.
”Hola chico.nao sei se sabes mas hoje há uma festa de piso, queres ir? é na c/ Napols 110, 1-2 metro Arc d Triunph. Hasta luego.”
Humm, pareceu-me bem. Muito bem. Com um pequeno senao: nao me recordava de alguma vez ter visto o dono. Duvidava mesmo que o conhecesse.
Entrar por uma casa dentro sem conhecer o dono nao me é muito habitual. Mas pus-me a caminho. Nada como ir para ver.

A rua estava calma.

Nenhum sinal de festa. Apenas algumas pessoas na rua, que como eu, miravam as varandas dos prédios talvez em busca de luz ou alguma musica. Nada.
Na morada que me tinha sido indicada apenas se vislumbrava um casal de idosos à entrada do edificio.”esperam um Taxi.”-pensei.

A noite caía receosa. Talvez temesse algum fracasso. Talvez sentisse que aquele era um encontro impossível. um encontro em que o mais importante nao existia: a certeza dele existir.
A verdade é que aos poucos a rua começou a sentir as passadas largas de um grupo risonho. “Ah eu já estava à espera deles”- disse um italiano que entretanto se tinha encostado também à porta nr.110. (estava lá já eu, a Rita :uma amiga que passava umas férias por Barcelona e que também alinhou em vir descobrir uma festa de Erasmus, e o Henrique,que tal como eu é representante da FEUP por estas bandas).
Agora tudo parecia bem encaminhado.Conhecia algumas pessoas do grupo.
O truque agora era juntar-me a eles e esperar que o espirito de novidade que pairava no ar permitisse que todos tivessemos lugar na festa. Tivemos. Aquela era a nossa festa.
Aos poucos foram chegando mais pessoas que já havia conhecido por outras paragens. E através delas fui conhecendo umas quantas mais. Bebemos uns copos. As bebidas trouxemos nós. Nós. eu nao tinha levado nenhuma. Levo para a próxima.
Mas como em todos os prédios, também neste tinhamos os vizinhos demasiado próximos. E por causa deles a festa acabou demasiado cedo.
Saimos.Acho que nao cheguei a conhecer o dono.
A rua continuava calma.
Espero pela nossa próxima festa.

sábado, setembro 27, 2003

Barcelona cap.5

Chegou mais um fim de semana. Também aqui ele é esperado por todos. Sentimos o frenesi das ruas que agora deixam de ser tao espaçosas. e sentimos a vontade de prolongar o jantar para que a noite chegue calma e o negro do céu dê rapidamente lugar ao reluzir de uma cerveja que acompanha uma conversa.
Ontem Andy (o alemao de minha casa) estava lá em casa com mais alguma malta. dois catalaes e uma peruana. A conversa parecia animada. eu acabara de chegar da universidade e a vontade de falar nao era ainda muita.
Todos sorriram e se apresentaram. pareciam receosos pela reacçao que eu iria ter. Afinal estavam em minha casa. Sentei-me com eles.
A peruana fazia um master em arquitectura e los chicos estudavam jornalismo e informática.
Os dois catalaes recordavam os tempos que haviam passado em frança, em Erasmus. Pareciam dispostos a receberem-nos como alguém um dia os recebera lá.
Esforçavam-se para corrigir o nosso castelhano aldrabado e queriam mostrar-nos que esta é a cidade deles: ”Vamos comer alguma coisa?”- disse um deles.”E que tal algo bem catalao? Pintxos.”. eu alinhei.
Pelo que ele disse, as tapas sao servidas em pratos e os pintxos em pequenas rodelas de pao. Cá o característico sao os pintxos.
Fomos entao ao bairro del Born, que me gusta mucho. Mais calmo que as ramblas, ilumina locais agradáveis nas suas ruas e praças mais cataläs.
Saborosos os pintxos. Inseparaveis de uma conversa e nao sao certamente para “encher barriga”. Curiosa a forma de os pagar: nós servimo-nos livremente e guardamos o palito que acompanham cada um deles. No final alguém conta os palitos e pagamos. Ora bem, o que pensa logo um Português quando sabe disto? : “Palitos? Pagamos os palitos? E quem guarda os palitos? Eu?” .Humm, os palitos pelo chao nao eram muitos.
Bem, mas pelos vistos espanhois, portugueses e alemäes nao sao tao diferentes como isso (Globalizaçao?) e na realidade viemos de lá com um descontozinho (nao de grandes proporçoes).
Depois fomos a dois bares. Conheci o mojito (rum+menta+gelo moido) e fiquei a saber que uma clara é cerveja+ limao e o tango é o mesmo que em Portugal (cerveja+groselha). Muito se aprende nas noites de Barcelona.

sexta-feira, setembro 26, 2003

As festas de La Mercè


De 19 a 24 de Setembro foram as festas de La Mercè. Posso dizer que é muito dificil alguém conhecer a verdadeira dimensao desta festa pois em todo o lado e ao mesmo tempo existe sempre alguma coisa. Coisa? sim. é impossível definir, pois à animaçao inerente ao dia-a-dia da cidade acresce a vontade de festejar aquela que é a festa maior de Barcelona. Surgem concertos, bailes, tradiçoes e as inevitáveis "personas" que a todo o momento buscam as calles e plaças com que mais se identificam.
Os turistas marcam também este ambiente mas Barcelona dá-se bem com os turistas. Eles representam uma parte importante da dinamica da cidade. existe uma simbiose entre as movimentaçoes dos turistas e dos residentes. Apesar de muitas vezes os caminhos se fundirem existe sempre um ponto de divergencia, uma aparencia distinta e objectivos diferentes que transformam Barcelona numa cidade onde a diversidade e a tolerancia facilitam a integraçao de todos.
Ao longo destes dias existem muitas actividades tradicionais das quais eu saliento os inevitáveis Castellers que arrancam verdadeiros aplausos da bonita praça st. Jaume. Os Castells sao uma competiçao de torres humanas. A competiçao é feita normalmente entre bairros, e cada “clube” exibe as suas obras primas. Pois é. impressionante. Na base estao muitas pessoas, essencialmente os mais pesados e fortes, depois sobem para cima deles mais uma quantidade consideravel de pessoas.depois mais quatro ou cinco.depois 3.depois mais 3.depois 2. e no final sobe uma ou duas crianças (cerca de 5 anos), que lá no alto levantam o braço anunciando o final da cosntruçao. A descida é entao iniciada rapidamente, pois nesta altura já as forças falham e naquele ambiente de medo que envolve a praça, a torre humana já vibra como que ao sabor de um vento que nao existe.as forças faltam.
No final a euforia de cada um dos que constitui a torre humana é grande e todos se abraçam como se o cansaço de todos os dias dificeis de treino que necessitaram se transformasse agora em gritos, risos e aplausos.
No dia 24 é feriado. Neste dia alguns museos têm a entrada livre. Aproveitei para visitar o Museo Picasso e o Museo da Historia da Catalunha. Neste último fiquei a saber que antigamente existia uma outra cidade chamada Barcino, sendo este museo as ruinas de algumas das suas antigas construçoes.é curioso pois estas ruinas situam-se por baixo da Praça del Rei o que significa que ao longo dos tempos os locais foram sendo reconstruidos e sofrendo mutaçoes de forma de acordo com a época em causa.
De qualquer forma nao é preciso esperar pelo dia 24 de Setembro para ir “de borla” (como tanto os Portugueses gostam) aos museos. No primeiro domingo de cada mes é possivel visitar alguns museus gratuitamente (Picasso é um deles).

quinta-feira, setembro 25, 2003

Barcelona cap.3


Nas horas que restam é possivel ter uma outra vida fora da universidade. O metro proporciona-me uma verdadeira passagem para outra dimensao, para um outro mundo. Desde a minha universidade demoro cerca de 10 min a pé para chegar ao buraco negro:a entrada do metro. Quando me aproximo sinto uma corrente de ar forte que parece anunciar a invasao de terrenos desconhecidos. Passada esta primeira fase, o vento desaparece e um ar abafado provoca suspiros prolongados a quem espera a passagem do próximo metro. Algumas pessoas têm ainda energias para contar as paragens que irao percorrer até casa, num mapa que se apresenta afixado, e verificar se estao no caminho certo. Ainda bem que nao tenho que trocar de linha.
O metro desorienta-me. confunde-me. Também por isso gosto dele. Nao sei se vou depressa ou devagar. Se ando muito ou pouco. E de cada vez que saio pela boca do metro a luz e todas as cores caem sobre mim com toda a individualidade de cada uma das suas paragens. Eu saio na paragem Liceu ou Drassanes. Ambas nas Ramblas. E é bem verdade. Desde que entro no metro até que saio posso ter andado 10, 20, 100km que o lugar onde saio é sempre bem distinto do de onde entro.quase como uma nova cidade.
Acho que é porque no metro a viagem nao tem uma continuidade visual. Nao comprovamos as pequenas diferenças que existem na transiçao de umas zonas para outras. As diferentes zonas nao se fundem, mantém sempre as suas características muito unicas.
Eu gosto que assim seja.
Gosto de sentir que acabando a universidade tenho outro mundo à minha espera,o que me dá um novo folego para aproveitar o dia um pouco mais .

sábado, setembro 20, 2003

Barcelona cap.2


Para além do "colchao" com pouca personalidade e das vistas estranhas da minha janela havia algo mais que nos primeiros dias me perturbava. Uma das coisas era as obras que estao a fazer na casa ao lado. Logo pela manha. Só pela manha. Outra era um verdadeiro congestionamento pulmonar que me fazia pensar que Barcelona é uma cidade com ar bastante poluído.Talvez. Bem, mas também me tinha instalado no quarto sem fazer uma limpeza prévia àquele que em princípio seria o meu refúgio Erásmico. Pus entao maos à obra impulsionado por um respirar ofegante e ansioso. Conseguiria resolver o problema? Limpei com uns panos que encontrei pela casa. Testei uns quantos recipientes de liquidos multicolores que surgiam nos sítios mais inesperados. “Lavei” o chao com uma água pouco saborosa que soluçava da torneira e sentei-me na cama com a luz ligada para ver se se viam particulas de pó pairando no ar.Nao.
No dia seguinte eu estava na mesma.e a mesa que havia limpado com cuidado apresentava uma camada de pó muito fino que naquele momento era o único acusado da minha “falta de ar”. De subito olhei a janela.e ouvi o batucar das obras do lado. Fechei a janela. Já durmo melhor.
O meu quarto é grande.As paredes brancas. A luz que entra pela janela nao é suficiente para que as paredes absorvam o calor, para que elas corem e sorriam. A sala é mais alegre. Dois sofás, um “puff” e um trono magricelas. Lá reina a cor de rosa e o vermelho que complementam bem a paródia de fotos coladas nas paredes e uns posters sem assunto, coloridos, que me permitem olhá-los sempre sem me aperceber que todos os dias eles se repetem.
Surgiu entao uma ideia! Vou pôr maos à obra e procurar uns quantos posters para afixar no meu quarto. Nessa tarde vagueei pelo bairro Gótico buscando aqueles que seriam os meus novos companheiros de quarto : posters. Caminhar no bairro gótico sem mapa é uma boa maneira para encontrar o que queremos. É o único sítio que conheço em que isto acontece. Em cada rua se sente o que nela existe. E lá estava. Uma loja com posters de tudo e mais alguma coisa. Anos 60 ,70, 80, arte, animais, paisagens, pinturas…e ia já na parte das pinturas quando começou a música. Uma pequena aparelhagem descarregava agora umas óperas enquanto eu percorria verdadeiras “galerias de arte” em posters: Van gogh, Picasso, Miró, Dali …
Sim. Vi alguns interessantes. Mas os preços nao eram convidativos (este é um pequeno pormenor do bairro gótico). Mas aquela musica, aquelas pinturas, fizeram-me perder a cabeça. Saí apressado da loja. segui o meu faro até à loja de belas artes mais próxima. Comprei umas cartolinas e uns lapis de pastel e fui para casa.
Já tenho uma pintura.Cheia de cores fortes e bem quentinhas. Tenho que comprar mais lápis.
Os dias passam agora mais calmos. Tenho aulas na universidade. Nao sei ainda que cadeiras vou ter, por isso vou às que me aparecem nos horários. Isto por aquí é complicado. Tenho que fazer 30 créditos em cadeiras mas para além de estarem os créditos noutra unidade o coordenador de erasmus aquí de Barcelona disse-me que 30 seria muito dificil fazer. Bem , ele saberá por quê. Como diz Andy (um alemao lá de minha casa) “Si,si...... está bien....”.

sexta-feira, setembro 12, 2003

Olá!
Pois estou em Erasmus em Barcelona e gostava de partilhar algumas aventuras que tenho vivido por cá.
Nao sei se ainda se lembram de mim. Continuo na mesma. Acho.
Neste momento já tenho uma habitaçao onde ficar. Após 10 dias de busca intensa encontrei uma casita a 5 segundos da plaça real e a 7 segundos das Ramblas. Lá encontrei um quarto com vistas para o interior do prédio, algo inédito no meu curriculum, mas com uma cama que dá para 3! Pena que tenha uma cova do meu tamanho. Estes dias tenho usado o meu conhecimento de estruturas para tentar equilibrar o colchao em cima de umas almofadas que foram despromovidas: passaram de cima para debaixo da cama. Estou contente porque a cama está a aproximar-se do razoável. Aqui a perfeiçao nao existe. Aqui o ideal é nao pensar em perfeiçao e esperar que uma cama com uma cova possa vir a proporcionar bons sonhos.
Encontrar casa por aqui é uma tarefa que se aproxima de uma missao-quase-impossivel-digna-de-um-super-heroi-que-ao-mesmo-tempo-ganha-um-ordenado-recheado-que-cubra-telefonemas-riscos-de-acidente-danos-morais-e-excessos-de-funcionamento-metabólico. Todos procuram casa por aqui.
Eu vi várias. Algumas parecidas com naves espaciais, em que a cama se insere no armário que por sua vez se transforma em escrivaninha quando, curiosos, batemos com a cabeça no tecto. Ou entao, outras em que uma cama doble vai de um lado ao outro do quarto tendo que se fazer um salto acrobático por cima de um armário para que a possamos alcançar (algo que me passou pela cabeça). Ou ainda umas, em que tudo parece bem até conhecermos os restantes habitantes: imaginem uma sala. imaginem 5 pessoas nessa sala. todos bem dispostos e a dizer “hoooolaaa !!!”. Bem. Uma rapariga parecia um travesti:grandes pernas,grande cabeça;grandes pés;grande “sorriso”(que eu retribuí). E grande mini-saia. O homem que me mostrava a casa só dizia “Vês a casa é muito grande e muito tranquila. Damo-nos todos sempre muito bem”.Ele tinha uma andar estranho. Existiam ainda mais dois ?homens?. um franzino, encolhido no sofá. Algo submisso mas risonho. Outro que passava despercebido. Daqueles que olhamos e nunca se sabe o que pensam. Por fim havia uma mulher que falava ingles.Mais velha.Nao imagino o que faria na vida.
A minha busca surpreendia-se sempre. Uma das primeiras que vi foi-me mostrada por uma rapariga com os seus 27 anos.Bonita.Com vestes angelicais (algodao branco) e com uma generosidade que a levou a pagar-me o autocarro. A casa era um pouco distante de tudo.Mas tinha piscina.Era um condomínio fechado que parecia luxuoso, o que se veio a confirmar quando vi o interior da casa. Sofás de couro, serviços de prata.Sala enorme! O quarto que me seria destinado seria talvez a divisao mais pequena da casa.Algo estava ainda para começar.Nós falavamos.Eu arranhava o espanhol.Ela oferecia-me sumo.Ela bebia sumo e comia amendoas algo distraida, enquanto eu lançava umas palavras para o ar: “Siempre esta tanto calor en Barcelona?”; Se ela estava estranha mais estranha ficou. Olhou-me nos olhos e disse. “Tudo está muito estranho.O tempo está muito estranho.”ficou pensativa.
Como que querendo mudar de conversa perguntou: “Porque escolheste Barcelona para estudar?”. Nao ousando perder tempo com teorias retóricas respondi: “Barcelona es muy grande.Tiene muchas personas diferentes e autenticas y isso me gusta”. Dizer isto foi como fogo.Ela voltou a olhar para mim fixamente. Disse :”se queres ver pessoas autenticas eu mostro-te pessoas autenticas.400 pessoas autenticas.que fazes sábado?”.
No sábado nao estaria em Barcelona.
Perguntei entao ao que ela se estava a referir.e ela: “sim, 400 pessoas autenticas.na praça de Espana. Se gostas de ver pessoas autenticas tens que ter sempre os teus olhos bem abertos.sempre atentos.ok?; Sabado te mostraria coisa autenticas.”.Foi entao que a conversa começou a ultrpassar o previsivel.”Eu já vi com os meus proprios olhos. pessoas sem braço ficarem com o braço. pessoas corcundas deixarem de ser corcundas. pessoas que nao andavam, começarem a andar. Só tens que creditar.Tu tens que acreditar.” Nesta altura eu já pensava duas vezes antes de falar, pois estava a falar com alguém que simplesmente nao conhecia e era-me completamente impossivel prever o desenrolar da conversa. Mas mesmo assim arrisquei: “sim é importante acreditar.mas eu normalmente se tenho que acreditar, tento acreditar em mim.” A cara bonita transformou-se e de súbito cuspiu para o chao. E enquanto calcava o cuspe furiosa, dizia:” Tu sozinho nao vales nada.És isto.Nada”.A chegada do metro (à vinda embora apanhamos o autocarro e depois o metro), tranquilizou a nossa conversa.Ela sentia-me um pouco distante e receoso.O metro parava:”Vais ver que gostas de Barcelona”.Espero que sim.
Aqui por Barcelona nao existe tempo.Tudo pode acontecer a qualquer hora. Tem imensas pessoas e onde há pessoas há oportunidades. Aqui há oportunidades.
Confesso que nao estou habituado a aproveitar oportunidades.por mais simples que sejam.Nao sei se irei embora a saber aproveitá-las. Para as aproveitar nao é só preciso vontade. É também preciso uma capacidade de resposta ao meio quase imediata.Uma abertura para a existencia de risco tao natural como cada passo que damos.Muitas vezes é preciso escolher.
Fui já uns dias à universidade.Senti-me em casa (com tudo o que isso tem de bom ou de mau).As instalaçoes sao boas.Mas nao tem cantina.Quem vive por cá deve ganhar bem.
De resto, ainda passaram poucos dias. Estou a habituar-me à cama, às ruas góticas onde a luz pode nao chegar mas onde sempre chegarao pessoas estranhas (aos poucos menos estranhas), conheço algumas pessoas mas poucas, vagueio pelas ramblas buscando novas surpresas e tento conhecer alguns locais bonitos. Ás vezes receio que a vontade viver novas experiências seja superior ao tempo que aqui vou estar ou às oportunidades que vou conseguir aproveitar.

quinta-feira, setembro 11, 2003

Carrer del vidre é um espaco de refugio Erasmico. É na verdade a rua onde moro aqui em Barcelona. Rua estranha? sim. Pessoas estranhas? sim. mas a fuga é certa e o caminho é curto. A luz e a música surgem das Ramblas e da Plaça Reial. Lá uma fonte brota pessoas que buscam a beleza de cada pedra normal.

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